O presente agora

Lua Nova_13 março 2021

É no zénite que o sol, iluminando, projeta mais sombras. Assim, nestes tempos de renovação profunda, somos convidados — eufemisticamente, pois talvez verbos de força, como “empurrar”, sejam mais adequados para descrever as reais circunstâncias desta dinâmica — a visitar a nossa sombra.

Para a nossa alma sobreviver ao embate da matéria, vamos adotando desde cedo estratégias de negação e fuga que, embora úteis no contexto da infância, se tornam empecilhos à nossa maturação. Como o mundo atual pede sobretudo sucesso e eficácia (talvez por ordem inversa!), vivemos num planeta povoado por crianças de corpo crescido, que se recusam, obstinadas, a fazer o trabalho de mergulho interior imprescindível ao progresso individual e coletivo.

Estamos sempre a tempo, porém, como nos recorda a própria mecânica sagrada do corpo, com células nascendo e morrendo a cada segundo, ao ritmo do sopro. A respiração ecoa em nós o universo, no seu ciclo de expansão e contração, de abertura e retorno, e este metro sublime lembra ser o movimento parte intrínseca da vida.

O ar move-se em danças invisíveis em nosso redor, recordando a infinita multiplicidade da forma. Dizem as escrituras yóguicas que a consciência do nosso próprio fluxo respiratório é a porta para superarmos a ilusão da permanência e o apego ao visível.

Somos corpo vivo em velocidade e espanto. Possamos, pois, chamar nosso ao presente agora, e nele fazer fluir toda a mudança, rendidos ao curso divino da vida, disponíveis para acolher as revelações, os segredos da inspiração.

Image Diana V. Almeida. Street Art, Lisboa
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