A dança das polaridades

Lua Cheia_24 junho 2021

Esta Lua mexeu tanto comigo que só consigo escrever sobre ela agora (dois dias depois, ainda sob o seu efeito alargado, claro). A tensão entre polaridade feminina e masculina evidenciou-se trazendo à tona manias familiares de controlo afetivo, o temor mascarado de afeto. Interessante ver como ao longo dos anos vamos sendo confrontados com fantasmas da infância, quando ressurgem inesperados modos de amar que nos moldaram. Reconhecemos de súbito estratégias relacionais que (já) não nos pertencem e damos por nós repetindo tiques maternais, inflexões de voz paternas, como se não tivessem decorrido décadas desde estas cenas primeiras, como se o maior tempo da nossa vida (feitas as contas!) se esfumasse diante desta teimosa iteração.

Encarnamos para poder experienciar o movimento entre polos que constitui o campo potencial do exercício de liberdade. E, claro está, esta coreografia começa sempre no nosso vasto espaço interior, no infinito que em nós habita e que vamos colonizando com manias e padrões. Ora, os astros brincam agora com tais extremos, juntando os opostos numa tensão curiosa, que nos dá a ver modos de agir subtis, por os termos reiterado vez após vez tornando-os norma(l).

Quando se rasga o tecido invisível que segura as nossas ações quotidianas, somos confrontados com uma interrogação, um vazio, que se manifesta como real possibilidade de escolha. Tal só é, de facto, possível se aceitarmos o repto de viver em permanente (rev)evolução, resgatando a consciência a cada instante, entregues ao presente. Será importante, fundamental, creio, reconhecer e honrar o empenho da nossa família — a mãe e o pai que nos deram corpo, veículo para aqui estarmos apurando ação; a mãe e o pai que, apesar de todos os traumas de que os poderíamos acusar (à la Freud!), fizeram o seu melhor. Muitos de nós, trocadas agora as posições, com filhos a cargo, reconhecemos mais amorosamente tais dádivas, bem sei.

Seremos, pois, capazes de dançar, graciosa e criativamente, entre polaridades? Capazes de reconhecer a impossibilidade de fluxo sem estrutura, entrega sem saber, confiança sem dádiva? É nesta dinâmica que se tece a liberdade, enquanto exercício de escolha consciente, ancorada na fortaleza interna que importa construir, ir construindo. Um trabalho de vidas.

Image Diana V. Almeida. Street Art, Lisboa.

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