Lua Nova 6 junho 2024
Séculos de repressão da corporalidade dão nisto — um povo só cabeça que sonha sem pés no chão, muitas vezes com coisas que lhe são vendidas como desejáveis, entre elas corpos com determinadas poses e adereços. No ocidente, a filosofia e a religião católica acorrentaram o bicho que somos, vilipendiaram a intuição, demarcaram o recinto do sagrado, excluindo o perigoso mundo natural. Foi muito tempo a queimar bruxas e feiticeiros, por ousaram cultivar elos sagrados com a vastidão do mundo e os seus seres.
Invalidou-se, assim, a experiência de viver encarnado num corpo que sente, deseja, assinala, acolhe, um corpo ponte entre Céu e Terra, espírito e matéria. Nesta parte do mundo, continuamos a privilegiar oposições e dicotomias, incapazes de viajar no balanço inclusivo da polaridade dinâmica.
O sincretismo com o ideário oriental — sei que a cisão oriente-ocidente é um binómio redutor; mas, a bem da simplicidade, recupero estes grandes blocos simbólicos — tem vindo a mitigar tal rigidez. Já somos capazes de imaginar a lesta dança que une polaridades, sim. Porém, no quotidiano continuamos presos ao monólito do “sim ou não”, incapazes de integrar ambas as hipóteses, de acordo com circunstâncias em constante mutação.
O corpo cresce sempre. A cada segundo morrem e nascem células. O corpo regenera, dá sinal, adoece. Dia a dia vence fadiga, cria vícios, refaz tramas, expande elos neuronais, fixa movimento. Em simultâneo, sem exclusão de partes. Nosso vaso condutor do desejo estende mão a tudo, que, por vezes, pode ser tão pouco.
Cada vez mais, creio na queda. Cair no corpo é um movimento singular de atenção e respeito, capaz de trazer à tona tanto saber! O corpo é âncora e barco, ponto neutro de repouso e silêncio, espaço múltiplo onde ressoam mil vozes. Basta cair.
#image_dianavalmeida / Amalia Ghiban, Casa do Amor, Marvão, julho 2016
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