O coração bate

Lua Cheia, 16 fevereiro 2022

O Kundalini Yoga ensinou-me a repetição do compromisso. As práticas constroem-se num horizonte mais alargado do que o imediatismo do desejo que nos regula os dias. Comecei por ler esta pauta de repetição como ameaça potencialmente destrutiva da criatividade explosiva pela qual me vou deixando guiar. Enquanto fazia o curso de professora de Kundalini Yoga, tive de reiniciar várias vezes a meditação de 40 dias, acompanhada por uma reflexão escrita, mapeando as revelações diárias desta experiência. Há em mim uma adolescente rebelde que persiste em contrariar o legado da ordem; sendo adulta, porém, assumir por defeito tal atitude pouco ou nada me serve.

O compromisso tem sido uma formidável descoberta. É um gosto começar (e recomeçar) uma sequência de exercícios de yoga ou uma meditação e colher os frutos da perseverança. Anoto na agenda a data do início e conto os quadradinhos até ao final, para saber a quantas ando. O quotidiano lança várias armadilhas, claro, desde as minúsculas tarefas que se sobrepõem, até ao cansaço no final do dia, quando não arranco logo pela manhã.

Nesta escola, temos o privilégio de usufruir de uma biblioteca online organizada por temáticas — The Yogi Bhajan Library of Teachings (aberta a consulta, após inscrição) —, e por isso podemos escolher trabalhar questões específicas, que bloqueiem o nosso percurso de desenvolvimento. Assim, já me aventurei por vários experimentos, com resultados sempre precisos — o yoga é, de facto, uma tecnologia sagrada, com provas dadas ao longo de milénios. Enquanto no ocidente a inquirição científica se focava na matéria, no oriente era o corpo, como porta para o espírito, que se explorava.

O meu ‘kriya’ (palavra que significa ‘ação completa’) preferido chama-se “Sahib Kryia to Master Your Domain” e a ele volto vez após vez, provando a mim mesma que, afinal, esta disciplina da repetição tem os seus méritos. Trata-se de um conjunto de exercícios que nos ajuda a ser o soberano do nosso reino interno. Começamos por trabalhar o triângulo inferior (os três primeiros chakras), para depois ativarmos os centros energéticos superiores. Terminamos deitados com as mãos sobre o coração, escutando o batuque do sangue.

Era aqui que queria chegar, na verdade, ao chamado do coração. Já sabemos que o coração é um órgão incrível, muito mais poderoso do que o cérebro, tanto a nível elétrico como eletromagnético, reunindo informação a um grau subtil de consciência. A mente é barulhenta e veloz como um rato (ou um macaco de rabo em chamas, segundo alguns budistas). Para escutar o coração e aceder à intuição temos de assumir um compromisso e cultivar silêncio interno, pois. O yoga e outras práticas que ligam o corpo ao espírito ajudam neste caminho, sim. Entretanto, podemos começar por respirar três vezes e colocar a mão no peito, reconhecendo o milagre do coração que por nós, connosco, bate amorosamente. Depois, é irradiar.

Image Diana V. Almeida. Street art by children, Lisboa.
Partilha:
Scroll to Top