Lua Cheia 18 setembro 2024
Quero hoje falar de lixo. Quem me conhece sabe que este é um tópico importante na minha vida, pois nutro há décadas o impulso de recolher lixo do chão, seja na praia, em caminhadas pelo bosque, ou mesmo em espaços urbanos, quando me deparo com uma situação mais flagrante, como, por exemplo, placas de esferovite gigantes (leia-se, milhares de potenciais microplásticos) à porta de alguém que acabou de receber um novo eletrodoméstico. Vou desconsiderar a reflexão sobre o impulso consumista que nos mantém na roda do karma planetário, pois interessa-me mais pensar o impacto global dos dejetos que vamos deixando crescer.
Parece-me altamente improvável que, no contexto atual, haja alguém que nunca tenha ouvido falar em separação do lixo. Contudo, vez após vez, ao abrir o caixote de rua, na zona rural onde habito, encontro uma mescla de resíduos domésticos com papelão, vidro e até mesmo material elétrico. Que medo nos impele a ignorar os sinais e continuar nesta senda de descuidado?
A ideia de que estamos fadados à destruição pode alimentar certa apatia pelo estado das coisas, ou uma atitude agressiva que aponta sempre no exterior os “culpados” (e o conceito de culpa tem uma longa história na tradição judaico-cristã que seria interessante considerar). Qualquer um destes estados de espírito advém da ignorância, da incapacidade de encarar a imensa dor que tudo rói, face à mudança violenta pela qual passam os ecossistemas naturais e humanos.
É triste perceber que os parâmetros economicistas, competitivos e bélicos que nos regem estão profundamente errados. Para já, partem do pressuposto de que o lucro se sobrepõe ao bem-estar, instaurando um vazio no coração do mundo. Depois, leem a vida como uma corrida sem fim, segundo a lógica da escassez, que implica luta pelos recursos e agrava a crise ecológica. Segundo o “Índice Global da Paz 2024”, desde a Segunda Guerra Mundial que não havia tantos conflitos, com mais de dois mil milhões de pessoas afetadas.
Voltando ao lixo, gostaria de sugerir que podemos contribuir para sanar este estado de coisas, assumindo completa e efetiva responsabilidade pelo nosso lixo, não só exterior como interiormente. Importa lembrar que vivemos num sistema fechado, onde tudo se liga, como argumenta a Teoria do Caos, com a borboleta batendo asas para causar distúrbios no outro lado do planeta.
A responsabilidade começa, como de costume, pelo lixo que criamos dentro da cabeça e depois fazemos explodir sobre aqueles que nos rodeiam, sob forma de mau-humor, indiferença, inveja, autoritarismo, raiva, ressentimento, desesperança… É crucial, pois, a autorregulação, seja através de práticas meditativas, do desporto, da comunhão com a natureza, da oração, da escrita ou de mil e um outros modos de acalmar a mente e entrar num estado de maior coerência interna, em que a intuição nos abra respostas mais adequadas, ao serviço do bem maior. Enquanto persistirmos na tola teimosia de recusar a nossa responsabilidade, lá fora, o mundo vai continuar a arder.
#image_dianavalmeida. Copenhaga, jul. 2011
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