Pensamento blindado

Lua Cheia 22 junho 2024

Há dias uma amiga enviou-me um podcast em que uma humorista de renome achincalha um casal que defende a sobrevivência do matrimónio contra todas as impossibilidades. Não aprecio particularmente o humor que se compraz em humilhar o próximo, sem daí elaborar reflexões de maior. Reconheço, porém, a importância de conferir visibilidade a fenómenos que vão deixando as margens para refletir tendências cada vez mais generalizadas.

De facto, quando fui investigar o casal maravilha, descobri que proliferam nas redes, em várias plataformas, com mais de onze mil seguidores, o que é bastante significativo, especialmente considerando que assim se difundem — para vender uns cursos sobre ser boa esposa e fazer dinheiro, ela e ele, respetivamente — há menos de dois anos. 

Fico triste com o recrudescimento do conservadorismo, que chama traidoras às feministas e classifica como demoníaca a prática de yoga e todas as espiritualidades New Age, consideradas desvio da via exclusiva delineada pela Bíblia. Estas pessoas falam com zelo proselitista, condenando qualquer opção alternativa, que não se coadune com aquilo que consideram ser o padrão moralmente correto — desde o veganismo (particularmente desadequado para o “patriarca”, sic); até às opções financeiras (contas separadas num casal); passando por escolhas de saúde (tomar a pílula) ou de vestuário (usar roupa preta e Doc Martens). É curioso, aliás, ver como ela foi alterando o visual desde os primeiros vídeos — em que aparece (quase galdéria!) de cabelo curto pintado —, até aos mais recentes, que a mostram de cruz reluzindo ao peito, com o olhar vidrado dos fanáticos.

Temos vindo a assistir, nas últimas décadas, à progressiva deslocação do debate político do fórum público para canais alternativos que, em parte, deixam de ser visíveis para quem discorde das ideias transmitidas. Este fechamento tem por inevitável resultado o reforço da convicção, pois não há contraditório, tampouco desejo de dialogar. A nível macroestrutural, tal pendor autotélico reforça não só a polarização, como o potencial acréscimo de fake news, o que se agrava com a banalização da IA.

Incomoda-me este lugar de fala absolutista, sem sombra de dúvida. Desde que foi visitada pelo Espírito Santo — venerável língua de fogo que tanto nos inspira, digo sem ponta de ironia, embora constatando que tal entidade é conhecida por vários nomes, consoante as tradições religiosas —, ela viu a luz e logo deixou de ser professora de yoga. Trata-se da tradicional narrativa de conversão, tão em voga nos EUA, onde o radicalismo religioso é uma arma que serve para delimitar justos e pecadores, merecedores de respeito e indignos sequer de ocupar lugar na escala da humanidade (daí um outro influencer português ter há pouco representado os seus opositores como zombies, num vídeo celebrando a sua conceção e, implicitamente, condenando o aborto).

O extremismo deflagra pelo mundo, de momento, parecendo confirmar a teoria circular da história, e recordando que as conquistas da igualdade de género e da justiça social, em particular, não devem, nem podem, ser tomadas por garantidas. A minha inquietação é de raiz ética, pois, considerando imperativo tentar, continuar a tentar, abrir brecha neste pensamento blindado para dar entrada ao diálogo. Se eu mesma cair na repetida tentação (Deus me livre!) de me escudar num espaço de inamovível certeza, mais difícil será criar pontes de possível entendimento.

Por isso, nós — que cultivamos a flexibilidade e o desejo de escuta, na esperança de construir uma comunidade que respeite o singular e o diverso, zelando pelo florescimento de todos os seres, em harmonia com o ecossistema — devemos perseverar, cultivando a dúvida. Cabe-nos a nós descobrir caminhos criativos para chegar à conversa. Deixo o desafio.

#image_dianavalmeida / Helena Almeida, Fundação Serralves, dezembro 2015.

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