Lua Nova, 28 julho 2022
Este texto vem com atraso pois passei a Lua Nova no Festival Boom, que reuniu durante uma semana cerca de 46 mil pessoas, oriundas de 177 nacionalidades, em torno do conceito do Antropoceno. Trabalhei como stage manager do Chi Temple, com programação a decorrer entre as 8h e as 23h30, oferecendo workshops e palestras nas áreas do yoga, do xamanismo, do tantra, das terapias alternativas, da cultura regenerativa e da dança. Foi belo o reencontro da tribo, após dois anos de confinamento, que acentuaram a costumeira intensidade da reunião.
Combinei o trabalho de produção com a magia de curandeira e fui chamada a acompanhar vários processos de transmutação e cura. Os boomers estavam mais do que nunca recetivos à visão alternativa amorosa que os facilitadores propunham. A tenda ficava invariavelmente cheia e alguns dos participantes iniciavam fortes catarses.
A dado momento, no final de um workshop, aproximei-me de um homem de meia-idade lavado em lágrimas. Permaneci de pé à sua frente, olhos fixos nos seus. Reconhecia em silêncio a sua dor, a sua força, oferecendo testemunho. Ele aproximou-se, a soluçar, repetindo “Nunca mais vou fechar o coração!”. E, balbuciando, contou como até então se escudara numa masculinidade dura, que procurara transmitir aos filhos, ensinando-os a construir uma armadura contra o mundo. Graças ao trabalho coletivo ali realizado, aquele homem escolheu partir a couraça e entrar em contacto com a sua vulnerabilidade.
Agarrei-o num abraço. Ele soluçava encostado ao meu peito, “Nunca mais vou fechar o coração!”, dizia, sacudido pelo vigor da revelação. Corpo a corpo, partilhava a sua jura, sentindo o abalo que o percorria. Toda eu era escuta, compaixão. O homem esboçou, por fim, um sorriso, surpreso pela minha presença. Queria agradecer-me. E era eu quem lhe agradecia a honra de tamanha confiança. Fixando-me, ele declarou que me tinha impressa na alma.
Acolhi o júbilo. Abençoei os seus passos e vi-o partir, confiante, coração rasgado, aberto à vida. Esta é a história da Lua Nova. Estamos sempre a tempo de partir o coração.