Lua Nova 8 maio 2024
O artista multidisciplinar Arnaldo Antunes popularizou “Pop Zen”, canção de uma breve banda brasileira que declara: “Tudo que você tem não é seu / Tudo que você guardar / Não lhe pertence nem nunca lhe pertencerá / Pertence ao tempo que tudo transformará”. Estamos diante de uma variação contemporânea do tema do soneto de Camões “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, que talvez nos chegue também por voz alheia, através da composição de José Mário Branco.
“Pop Zen” é uma canção de intervenção que fala não só da inescapável metamorfose da matéria, como também do apego que, de modo particularmente obsessivo, marca a relação coeva com os objetos. Evocando a roda das estações em constante renovação, por contraste com a fixa tristeza desencantada do poeta, Camões refere-se, sobretudo, à corrupção dos costumes e ao envelhecimento. Arnaldo Antunes canta o consumismo, gesto patético de apropriação de pessoas e coisas que está condenado ao fracasso, pois, como declara o refrão — “Só é seu aquilo que você dá”.
Por um lado, podemos aqui ver a sugestão do desapego, invertendo o pressuposto de que a propriedade garante a posse segura dos recursos; por outro, surge a ideia “zen” de que só a dádiva tem valor e gera riqueza. O paradoxo é convocado e frutifica, contendo em si as polaridades, que permitem acolher movimento.
Ora se só possuo o que dou, sou convidado a contemplar a hipótese de que só posso dar o que já tenho, e quanto mais dou, mais enriqueço. Esta é a generosa dádiva dos dons, que da sua própria partilha se alimentam, sem esperar troca senão serem recebidos. Numa oitava acima, talvez os dons se realizem e multipliquem apenas por serem manifestos, existindo singulares, brilhando, no universo de todas as possibilidades.
Assim podemos dar do coração nosso fogo único. Ainda que pareça solitário, ilumina, por certo, todos aqueles que de nós se aproximam e, quem sabe, a seu tempo, virá avivar novos lumes.
#image_dianavalmeida / Margarida, 4 maio 2014.
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