Faço por todos

Lua Cheia, 19 agosto 2024

Tenho as emoções à flor da pele, nestes dias. As lágrimas sobem-me quando escuto uma música ou a dor de um amigo, quando leio artigos sobre pobreza e guerra nos jornais. Está tudo bem assim. Acolho esta vulnerabilidade, que intuo indiciar um deslocamento interno. Pareço estar a mover-me de um lugar de certeza para um espaço insubmisso em que as regras se fazem à medida do momento.

Para mim, tal é novidade. Sempre me atei a algumas convicções, que procurava convocar como pedras de toque. Não falo do saber interno inamovível — do bem e do mal, de Deus e das forças involutivas que deslaçam a vida. Refiro-me, antes, às pequenas manias com que ia estruturando o esqueleto dos dias.

Agora, mais do que nunca, entrego-me à possibilidade de desconhecer, de mudar radicalmente planos projetos pensamentos palavras. Sinto desvanecer-se a resistência, dando corpo a uma maior leveza. 

A indignação vai-se transformando em assombro diante da loucura humana. Somos belos e perigosos. Todos. Ferozes e ténues, perecíveis. Tão frágeis. Todos. 

Escondemos o medo atrás de armas roupa à moda cara feia hierarquias precaução cinismo. Brincamos aos imortais, como nos filmes, recusando a metamorfose. Cristalizamos imagens que, na maior parte das vezes, nem sequer foram por nós inventadas. Sim, é mais fácil fingir do que encarar e cruzar a dor.

Crescer implica mudar, acolher a nossa condição de vulnerabilidade, reconhecendo as feridas para as podermos — devagar, juntos — sarar. Talvez precisemos de muitas vindas, muitas vidas, para o conseguir. De qualquer modo, creio, será tempo de nos empenharmos no mais importante labor, pois o que faço por mim, faço por todos. Em amor. 

Fotografia de Pedro Vale. S. Miguel, Açores, agosto 2021.

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